O LEÃO SE ENGEROU EM ENCANTADO AMAZÔNICO

O LEÃO SE ENGEROU EM ENCANTADO AMAZÔNICO

Sinopse:

O enredo do G.R.E.S. Estácio de Sá para o Carnaval de 2025 traz o mote dos povos originários e seus ancestrais, estabelecendo um diálogo com a cultura e a regionalidade tendo como lócus a floresta, que diz muito sobre o imaginário amazônico, sua cultura e seu folclore, pautas ricas em encantamentos que passam de geração para geração. O “berço do samba” através do seu maior símbolo, o Leão, faz um convite para viajarmos nesse lúdico mundo amazônico, mítico e lendário. Através das vivências e narrativas dos pesquisadores e amantes da cultura que vivem na região, e dão voz e ouvidos aos contadores de estória, bem como, em alguns escritos literários adaptados artisticamente e carnavalizados, o tema em pauta será apresentado pelo símbolo da agremiação em uma viagem encantada.

O Leão estaciano, embora não faça parte da fauna amazônica, é iniciado nos mistérios da floresta, a partir de um sonho acordado ele faz um passeio pelos encantamentos amazônicos, em delírios habitará em mundos reais e imaginários. Acordado, porém ainda sonhando, evidenciará na Avenida Marquês de Sapucaí culturas e folclores de grande e pouco conhecimento dessa região tão rica, que não cabe contar em um único desfile. O tema aduz elementos de um universo encantado em que o real e o imaginário, não só são paralelos, mas também se entrecruzam entre si, o verdadeiro torna-se fantasia e a fantasia vira a realidade para muitos viventes dessa região. E assim, é possível que gente se transforme em animal, lua, sol, estrela, rio ou até mesmo plantas e vice-versa. Podem ser a junção dos vários elementos. E esses também podem se transformar em gente ou híbridos, a partir desse universo imaginário.

Encantamentos, engeramentos1, e um fascinante mundo de magia e “encantados2” (tema chave do enredo) que ganham narrativas, para pessoas de fora dos perímetros da floresta e historietas que proporcionam um forte teor lendário, mítico, ritualístico e uma visagem acima de tudo de apelo à cultura popular. Cabe evidenciar, que os encantados são seres que se engeram (se transformam, incorporam) em outras formas, que também podem ser seres que concebem os elementos existentes na floresta. Assim sendo, o Leão estaciano mesmo sendo um animal que não pertence à fauna amazônica, não conhecedor do engeramento mítico amazônico, passa a ser integrado ao ambiente pela mãe da mata que o conduz a vivenciar mistérios e encantamentos da floresta através da figura do pajé o intermediário espiritual. Tais encantados estão ainda relacionados à luta frente à preservação dos povos e do maior bioma brasileiro, como também têm os que representam o folclore, festas e festivais, dos povos da floresta.

Na cultura dos povos originários, os encantados concebem os que guardam e protegem as riquezas naturais, contra a ganância, além do desmatamento e da destruição em todos os aspectos. Eles até mesmo são mencionados como guardiões do folclore e da cultura amazônica em tese. E assim, numa imaginação artística, o guardião da Estácio de Sá, ao ser engerado em um encantado, através de um ritual de pajelança, recebe o codinome de “Leão Guarini” (guerreiro/lutador), logo, é convidado a explorar as culturas míticas populares e ser apresentado aos defensores dos costumes amazônicos. Nesse contexto, a Estácio de Sá, através do seu símbolo, trará para o sambódromo carioca, lendas, mitos, mistérios e encantamentos existentes no solo sagrado da floresta amazônica. De tal modo, as raízes profundas da consciência da luta para a preservação do ar, água, fauna e flora, além de heróis e heroínas que lutaram pela consciência humana, dos trabalhadores e população ribeirinha que ainda vivem da floresta tropical, não escaparão dos olhos atentos do Leão estaciano. E serão narradas3 nesse desfile pelo símbolo carioca, que por um breve tempo foi recebido pela mãe da mata, enquanto esteve devaneando, no solo da Amazônia, o berço da cultura popular4 brasileira.

ABERTURA

O Ritual: A Pajelança, Engerando o Rei do “Berço do Samba

O rei do samba, leão estaciano, sonhando habita em mundos reais e imaginários, compartilha sentimentos como as alegrias e lutas através da pajelança, após ser encaminhado ao pajé, pela mãe da mata (Iamandacy), e recebe o nome de “Leão Guarini” (guerreiro/lutador). Em meio ao transe ele vê o pajé que chocalhava o maracá, e tinha em suas mãos uma semente de tucumã6, que é repartida ao meio com apenas um sopro, e dessa semente surgiram infinidades de árvores e animais de todas as espécies que ocuparam rapidamente o espaço transformando-o em floresta. Assim, ele passa a vivenciar junto com os seres que protegem e guardam as riquezas materiais e imateriais existentes na floresta e conhecer lendas, mistérios, encantados e costumes amazônicos.

Em meio a seu devaneio o Rei do velho Estácio faz contato com o Tuxaua (representa a sabedoria da aldeia) que transmite a mensagem de preocupação como: os povos originários, população ribeirinha, trabalhadores que tiram seu sustento da floresta, as flores, os animais, os elementos preciosos da terra, os rios, tudo por ali, e todos os seres encantados que habitam a floresta. E diz que toda festividade em solo amazônico tem a finalidade de evidenciar a proteção à diversidade cultural, fauna e flora e pede ao representante do samba carioca para difundir a preocupação dos encantados. Conclui o recado dizendo que: “Faremos festa para não esquecer, faremos guerra para proteger”!

1º SETOR

Descobrindo os Recantos e Encantos da Floresta pelos Encantados

Iamandacy a poderosa mãe da mata em um forte sopro, abre uma clareira como uma passarela florestal permitindo a entrada do “Leão Guarini” de corpo engerado, consagrado e nomeado, para dentro da floresta guiada por grandes lideranças indígenas dos povos da mata. Nesse contexto, ele adquiri conhecimentos sobre lendas a respeito do Coaraci7 encarregado de dirigir o reino animal e pela manutenção da vida na floresta, sobre seu comando respondem diretamente Uirapuru, Jurupari e Uiara. E sobre Yaci responsável pelas nuances das cores e pela diversidade da vegetação, pela vida na floresta tropical. Ypuré filha de Anhangá, tem seu encanto relacionado as riquezas minerais, ouro e pedras preciosas. Tainakã simula a estrela D’alva responsável pelo encanto do ar puro, ela encanta a renovação através das folhas das arvores, e transmiti também o dom da agricultura.

Imponente, híbrido, meio gente e meio felino o Ynhangõrom8 senhor das matas, que invoca seres da floresta divinos surge das camuflagens diante do guardião da Estácio de Sá, que em seu entressonho encantado, observa o protetor amazônico com os olhos de fogo, corpo coberto por samambaias, folhas diversas, braços e pernas de troncos de árvore. O mesmo é o protetor das grandes árvores e da vegetação. O leão apropriasse dos conhecimentos sobre as riquezas das águas através de Yara Mãe D’água, representante encantada das águas dos rios, que se manifesta no ideário cultural como metade mulher e metade peixe, além de Naiá que surge para demostrar à beleza hídrica é uma estrela das águas que se transformou em uma magnífica flor, a Vitória-Régia, bem como, Boiúna, uma cobra gigantesca de olhos brilhantes que guarda a diversidade de vidas nas águas num lugar chamado “boiaçuquara” ou “morada da cobra grande que ao envelhecer conta com ajuda de uma centopeia gigante para chegar a terra.

E assim o “Leão Guarini” estabelece encontros com outros encantados que protege a natureza amazônica, Kaaporanga9 , é uma encantada que expõe as espécies da terra e da mata em grande variedade para ele, junto a guardiã dos animais vieram o Anhangá, Juma, Tapiraiauara, Mapinguari e Sucuruera. Tamapú10, filha do Rei Kamiranga do reino dos urubus. Esse reino foi um local sombrio em que aconteceu uma bela estória de amor, em que seu amado cumpre tarefas difíceis para obter sua mão. E assim, ela se transforma em humana, e passa ser encantada dos voos das aves, seus cantos, ventos e coloridos que pintam o céu.

2º SETOR

Encantado Protetor: Sete Espíritos, Sete Encantos da Natureza Engerada

O guerreiro estaciano, encontra-se diante dos encantados guardiões da floresta, os que lutam contra o desmatamento, contra a exploração das riquezas minerais e animais, bem como o bem-estar dos povos que ali habitam, além das guerreiras e guerreiros amazônicos, cujas vestes exibem as cores vibrantes e as texturas da natureza amazônica.

Agora, o representante do Estácio tem um encontro fascinante com a maior força de proteção da floresta, o espirito da própria natureza engerada que mora no oco dos troncos, do jequitibá e sumaumeira, nas profundezas da terra. Ele pode ser macho, fêmea, e mãe da terra, também conhecido como sete espíritos de acordo com as lendas originais (dos pesquisadores locais). O mesmo guarda a floresta de forma implacável, contra aqueles que carregam abominação, ganância e doenças contra terceiros. Nesse caso esses receberão sete castigos através dos sete espíritos encantados que se camuflam na forma mais conhecida do Curupira, também são denominados de Guajara, Quilaino, Caiçara, Bradador, Caipora, Ganhabora. Eles lançam feitiços, aterrorizam, desorientam, punem e expulsam os indivíduos maldosos da floresta. O Leão presencia um a um dos sete encantados em transformações pelas forças da própria natureza. e assim o engerado da vermelho e branco, também recebe a proteção de um Muiraquitã, ao encontrar com à Icamiaba11 Conori12. Engerada essa que conheceu junto com os sete espíritos, para juntos lutar, lado a lado, com outros encantados e engerados frente a proteção da floresta tropical.

Tomado de emoção, o Leão percebeu a coragem dos guerreiros e guerreiras que enfrentaram e que ainda enfrentavam desafios audazes para preservar suas riquezas, seu povo e seu lar. Ele ouve as histórias de novos encantados, viventes nesse plano conhecidos pelos brasileiros, que lutaram com ações e suas vozes pela luta da floresta, a cultura amazônica, dos povos e seres da natureza, importantes para manutenção da vida e cura da floresta. Esses viventes que podemos denominar como encantados da contemporaneidade, são muitos, para citar alguns exemplos: Chico Mendes13 Caititu (o líder dos trabalhadores), Doroty14 Jabuti-Piranga (a missionária de um povo), Don15 Jaguatirica (fotógrafo – o olho da Amazônia) e Bruno16 Arara-Vermelha (indigenista – a voz da Amazônia). Esses mencionavam a real grandeza da luta que continua no mundo dos homens e depois dos encantamentos, engeramentos, em favor dos que cultivam e dependem da mata, em favor da própria natureza na consciência da preservação para os dias atuais e o devir do mundo inteiro. Esperança renovada.

3º SETOR

Encanto Cultural: Os Guardiões Do Folclore Encontram o Guardião do Samba

Profundamente tocado pela nobreza e determinação dos personagens lendários, agora o Leão encontra-se com os encantados dos festejos do folclore amazônico. Na companhia de Adana encantada, viu acontecer o festival de tribos indígenas Tucano, Filhos do Rio Negro e a tribo Baré, e a disputa entre as tribos. Descendo um pouco mais, o “Lutador Guarini”, encontra os encantados, Cardinal e Acará-Disco e vê o festival chamado FESPOB de Barcelos (Festival de Peixe Ornamental de Barcelos, AM) que é parecido com o Carnaval Carioca das escolas de samba. Como num delírio viu bailar a porta-bandeira em meio aos encantos da floresta. Quimera? Não, realidade! Esse festival conta com personagens como: porta-bandeira e mestre-piabeiro (como mestre-sala) que bailam em meio a floresta, alas de cumprimento, de caboclos, e dos piabeiros.

Surge na terra, um casal de encantados de Peixes-boi para elucidar o Eco festival de Novo Airão. E assim, segue seus devaneios na sua rotina de surpreendentes descobertas de encantos recantos matizados em vários tons nessa aquarela florestal. Encantado imponente, o Bicho do Folharal ou Ser de Folhas, apresenta para o guerreiro estaciano o Festival de Cirandas de Manacapuru, que é disputada entre três cirandas: Ciranda Guerreiros Mura, Ciranda Flor Matizada e Ciranda Tradicional. Pelas bandas de Manaus, em meio aos festejos do Festival Folclórico do Amazonas, o Leão observa, tribos e diversas danças internacionais, nacionais e regionais, ornadas em cores, plantas e flores, tudo revelado pelo engeramento de Dinaí encantada, princesa do encontro das águas. O engerado carioca é levado a conhecer o Festival do Mocambo, na companhia do Cavalo-marinho em estado de engeramento, nos arredores de Parintins, nesse festival todas as alegorias são feitas com materiais que a mata tem para oferecer.

O rei do Estácio engerado amazônico continua adquirindo seus conhecimentos com Mani encantada, no Festival do Cará em Caapiranga (cará roxo e do cará branco) enraizado em sua herança cultural transmitida de geração em geração. O encontro com os bois bumbás é inevitável tendo a força folclórica de Parintins, que com seus profissionais rompeu fronteiras com o Carnaval carioca. O engerado estaciano percebe que em suas temáticas apoiam a preservação da Amazônia, sua cultura e etnia.

Por fim, com um rugido poderoso, após ter encontrado os encantados que os apresentou os elementos e tudo que compõem a vasta riqueza da floresta, com os encantados que de maneira implacável defendem o maior bioma brasileiro e os encantados que lhe apresentaram a diversidade cultural, ele assegura fazer parte da luta contra a destruição, e promete proteger a floresta e festivais como se fosse seu próprio reino de resistência. O Leão, rei do samba, da primeira Escola de Samba do Brasil, torna-se um aliado aventureiro dos heróis amazônicos, unindo forças para defender um dos tesouros mais preciosos da Terra: a majestosa e misteriosa Floresta Amazônica. E assim, ao som dos tambores e ao ritmo pulsante do coração da floresta, a Estácio de Sá celebra o encontro entre o Leão e os guardiões da Amazônia, em uma ode à beleza, à diversidade e à magia da natureza.

AUTORES: Marcus Paulo e Cristina Silva

1 Wilson Nogueira (2014), sociólogo e jornalista parintinense, trata as narrativas amazonenses como o “imaginário amazônico”, o hiperdimensionamento das histórias, lendas e mitos dos diversos povos indígenas localizados na Amazônia. Engerar: transmutar-se, adquirir outras formas, se reconstruir a partir da alteridade. Cosmogonia das sabenças encantadas dos povos originários. Simas (2024).

2 Os encantados concebem os que guardam e protegem as riquezas naturais. Considerado como religião como para o povo Tamandaré: https://www.instagram.com/reel/C43JvgvLeJG/?igsh=OHpyZncyd3d4aDlm. Oferendas como ervas e folhas da mata e até mesmo cachaças e fumos são postas pelo povo da mata no caminho pedindo permissão, em respeito e/ou agrado. https://youtu.be/EIa4gkkHc1c?si=Z_chBDMqRNGqPKZ3

3 Reginaldo Prandi, autor do livro Mitologia dos Orixás, também escreveu Contos e lendas da Amazônia (2011), onde descreve as histórias do universo amazônico, tratam de sonhos, desejos, ideias e motivações universais, como por exemplo a proteção da floresta pelas narrativas.

4 Gilberto Gil“A cultura brasileira, cuja diversidade tem reconhecimento internacional, é o grande patrimônio do país, bem como nossos ecossistemas, que guardam em si a maior biodiversidade do mundo.”

5 Boi Garantido – O-Baiá – 2020

6 Fruto da palmeira tucumanzeiro, que é nativa da região amazônica.

7 Guaraci, Quaraci, Coaraci ou Coraci (do tupi kûarasy, “sol”) na mitologia tupi-guarani é a representação do Sol, às vezes compreendido como aquele que dá a vida e criador de todos os seres vivos, tal qual o Sol é importante nos processos biológicos.

8 Ynhangõrom – Na Escuridão da Mata. https://www.letras.mus.br/garantido/1248962/

9 A casa de Ka’apora’rãga é o mundo natural, e todas as entidades naturais precisam dela para sobreviver.

10 Lendária epolpéia de Tamapú. https://www.letras.mus.br/garantido/lendaria-epopeia-de-tamapu/

11 As mulheres guerreiras Icamiabas não tinham marido e não deixavam homens se aproximarem de suas tabas (casas). Manejavam o arco e a flecha com muita precisão e tinham a lua como sua protetora.

12 Icamiaba Conari é a líder das Icamiabas, as vezes até chamada de rainha algo semelhante Hipólita da mitologia grega.

13 Chico Mendes, foi um seringueiro, sindicalista, ativista político brasileiro. Lutou a favor dos seringueiros da Bacia Amazônica.

14 Dorothy Stang (irmã Dorothy), foi uma das principais líderes dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável, ao lado do povo e até hoje é um marco na luta ambiental no Brasil.

15 Don Phillips foi um jornalista britânico fotografo de indígenas isolados. 16 Bruno Pereira, foi considerado um dos maiores especialistas em indígenas isolados do país.

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